quarta-feira, 9 de julho de 2008

Além das Lágrimas ...

Em 1968, caminhando pelas ruas do centro velho de São Paulo, encontrei no chão um pequeno pedaço de papel que chamou a minha atenção. Nele havia um texto que me deixou maravilhado. Era uma definição sobre a guerra, a melhor que conheço. Dizia: “A guerra é o meio onde os que não se conhecem, se matam, em benefício daqueles que se conhecem, e não se matam”.

Pura realidade.

Quando a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) terminou, em 04 de julho de 1945, o mundo parou para chorar seus mortos. As nações envolvidas no conflito começaram a reconstruir seus campos e suas cidades devastadas por canhões, bombas, tanques, morteiros e granadas.

Para nações como Alemanha e Japão, a reconstrução, apesar de rápida e eficiente, foi estigmatizada pelas lembranças da morte e da crueldade a milhões de pessoas indefesas. E as conseqüências de sua participação no conflito ainda perduram nos dias atuais. Para outras, foi lenta e dolorosa, renascendo das cinzas de cidades devastadas e do sangue de populações dizimadas.

A Segunda Guerra Mundial é considerado o maior conflito armado de todos os tempos. Dela participaram nações de todos os continentes. De um lado, as do Eixo, lideradas pela Alemanha de Hitler e Itália de Mussolini, invadindo nações fracas e indefesas, incapazes de se defenderem sozinhas. Do outro, as Aliadas, lideradas pelos Estados Unidos da América, França, Inglaterra e Rússia, e que, a partir de 1944 contaram, também, com a participação do Brasil, no território italiano, ao lado do V Exército Americano.

Poderosos canhões, tanques, fornos crematórios, marchas e trabalhos forçados, humilhações, câmaras de gás (fixas e móveis), trabalho escravo (Arbeit Macht Frei – “O trabalho liberta”, era o que estava escrito em letras de ferro, no portão de entrada de Auschwitz, na Polônia), fome, experiências médicas macabras em prisioneiros, marcaram o cenário da guerra com atrocidades inexplicáveis à sã consciência. Josef Mengele (1911-1979), o “médico monstro”, o “anjo da morte”, desenvolvia “experiências genéticas” no campo de Auschwitz, em mulheres judias e crianças gêmeas, em nome da Medicina. Em 1979 seus ossos foram descobertos e identificados no Brasil.

Adolfo Hitler, que iniciou o conflito, invadindo a indefesa Polônia, era o monstro tresloucado que comandava tudo. Matou milhões de pessoas nas câmaras de gás – ironicamente foi um judeu, Fritz Harber, o inventor do Zyklon B, o “gás da morte” (depois as transformava em cinzas nos fornos crematórios), fuziladas, nos vários campos de extermínio que mandou construir e espalhar pela Europa, com o objetivo de limpá-la de ciganos, efeminados e, principalmente, de judeus. E, na Alemanha, de social-democratas, maçons, comunistas, protestantes, católicos e judeus que, à época, somavam em torno de 11 milhões na Europa.

Para Adolf Hitler, qualquer sentimento de humanidade para com o inimigo, era sinal de fraqueza, daí a brutalidade de suas tropas, principalmente das SS (Schutzstaffel), o Esquadrão de Proteção ou Defesa, uma força paramilitar que era sua guarda pessoal (Leibstandarte), a “elite da raça alemã”, como diziam os nazistas, para executar as medidas mais cruéis do Partido. Hitler promete fazer do povo alemão uma “raça superior” (Herrevolk).

A Polônia foi o primeiro país da Europa a ser invadido pelos exércitos alemães, em 01 de setembro de 1939. E foi também o primeiro a sofrer os horrores da guerra. E os judeus, antes dela. Em 01 de abril de 1938, antes da guerra declarada, os judeus sentiram diretamente na carne o ódio de Hitler para com eles, quando começaram a sofrer as primeiras discriminações oficiais.

Em outubro de 1938, 17 mil judeus foram deportados para a Polônia. Um mês depois, na chamada “Noite dos Cristais”, os alemães destruíram as fachadas de todas as lojas dos judeus, numa demonstração clara e explícita de ódio e do que viria depois, com o aniquilamento de mais da metade deles na Europa. A partir daí, sistematiza-se a perseguição aos judeus, principalmente, e às nações dominadas pelos exércitos alemães.

Antes da invasão da Polônia, Hitler, o rosto mais filmado e fotografado da história, disse a seus soldados: “Fechem seus corações para a piedade! Sejam brutais! Oitenta milhões de pessoas têm de receber o que lhes cabe. Sejam duros! O mais forte sempre tem razão”. E escravizou 7,5 milhões de civis e dois milhões de prisioneiros de guerra, para trabalhar para o III Reich.

Em 22 de junho de 1941, os nazistas aprovaram o plano do violento toxicômano (usava morfina) e amante de fardas vistosas, Hermann Wilhelm Goering (1893-1946), comandante da Luftwaffe, a Força Aérea, e braço direito de Hitler, chamado a “Solução Final”, que consistia na deportação em massa e no extermínio total de todos os judeus da Europa... E da Rússia também. Goering era o mais popular líder nazista de então e Hitler o tinha escolhido para ser seu sucessor. Eram vistos sempre juntos. Em dezembro daquele ano, a Ucrânia torna-se a primeira vítima das câmaras de gás móveis dos alemães, que criaram campos de Concentração e de Extermínio em vários pontos da Europa.

As câmaras de gás móveis eram caminhões com carrocerias hermeticamente fechadas, cheias de judeus, cuja descarga do motor era canalizada para dentro da carroceria, matando-os todos, asfixiados e envenenados com monóxido de carbono. Os de Concentração, eram destinados a prisioneiros de guerra, que se acreditavam sob a presumida proteção da Convenção de Genebra, assinada em 22 de agosto de 1864, na Suíça, e que garantia, entre outras coisas, deveres de humanidade aos feridos e prisioneiros, embora nem sempre isso lhes garantisse a vida e o tratamento mais humano de seus inimigos, principalmente alemães e japoneses.

Foram construídos campos na Alemanha, Alsácia, Áustria, Países Bálticos, República Tcheca e Polônia. Os da Alemanha eram BERGEN-BELSEN (35 mil mortos), BUCHENWALD (56 mil), DACHAU (32 mil), DORA-MITTELBAU (20 mil), FLOSSINBURG, ORANIENBURG-SACHSENHAUSEN (60 mil), NEUENGAMME e RAYENSBRUECK (90 mil); da Alsácia, NATZWILLER-STRUTHOF; na Áustria, MAUTHAUSEN; nos Países Bálticos, KAUNAS e RIGA (meu antigo professor de Contabilidade, na cidade de São Paulo, Jorge Frederico Walting, era de Riga, capital da Letônia, mas sua família fugiu para o Brasil durante a guerra – a Letônia foi incorporada à URSS em 1941 e só conquistou sua liberdade em 1991, pouco antes da dissolução da União Soviética.

Eu brincava com o professor Walting, dizendo que ele era um “homem sem pátria”, embora tivesse se naturalizado brasileiro); República Tcheca, THRESIENTADT; na Polônia, AUSCHWITZ, um complexo de três campos criado por Himmler, em 27 de abril de 1940, com quatro grandes câmaras de gás. Ali morreu mais de um milhão de judeus. Era conhecido como a “fábrica da morte”, o “inferno” (onde eram assassinados seis mil judeus por dia); BIRKENAU, STUTTHOF, CHELMNO, TREBLINKA - e Sobibor (1.750 milhão de mortos), BELZEC, SOBIBOR (do sargento da SS, Gustav Franz Wagner), REGOZNIKA e MAJDANEK.

Publicações judaicas sobre o holocausto falam que de janeiro a maio de 1945, com o fim da guerra, os aliados libertaram mais de 200 campos de concentração e extermínio.

Majdanek foi construído em 1941, como campo de concentração e, a partir de 1942, passou a ser um campo de extermínio. Estima-se que em Majdanek morreram entre 360 mil a 500 mil homens, mulheres e crianças, em suas sete câmaras de gás, além das vítimas de inanição, maus-tratos e péssimas condições de higiene.

Há alguns anos a polícia alemã prendeu em Stuttgart, Alemanha, o ex-Oficial das SS (Schutzstaffel) e membro da Gestapo (Geheime Staatspolizei), a polícia secreta do Estado, as “milícias negras”, comandadas com mãos de ferro por Heinrich Himmler (1900-1945). O preso era Alfons Goetzfried, de 78 anos. Ele confessou ter fuzilado pessoalmente 500 pessoas no campo de extermínio de Majdanek, na Polônia.

O massacre aconteceu durante a “Operação Festa da Colheita”, entre os dias 03 e 04 de novembro de 1943. Goetzfried foi preso no final da guerra pelas tropas soviéticas e levado para Moscou, onde foi julgado e confinado num campo de prisioneiros da Sibéria. Libertado em 1958, foi para o Cazaquistão, onde ficou até 1991, quando, então, decidiu retornar à Alemanha, beneficiado por um programa de repatriamento. Depois foi preso em seu apartamento nos arredores de Stuttgart, onde vivia tranqüilamente. Desde o fim da Segunda Guerra, a Alemanha prendeu cerca de 100 mil suspeitos de crimes de guerra e condenou mais de seis mil.

Heirich Himmler, um ex-engenheiro agrônomo (era granjeiro) e excessivamente brutal, foi quem criou o primeiro campo de concentração da Alemanha nazista, DACHAU, na década de 1930, dando início à chamada “rede de terror”, com que Hitler eliminava seus inimigos políticos. Como Ministro do Interior durante a guerra, criou o braço armado das SS, a Waffen-SS (que atuava em campanhas externas e incorporava até estrangeiros). As SS eram as tropas de elite, com 35 divisões (alguns falam em 38), para consolidar o Partido Nazista e o poderio do Heer (Exército regular) alemão.

Quase no fim da guerra, vendo a derrota dos exércitos alemães nos campos de batalha, Himmler tentou uma aproximação com os aliados, em 1945, o que fez explodir a ira de Hitler, que o destituiu do comando das SS e o prendeu. Com o fim da guerra, tentou fugir, disfarçado de soldado raso, mas foi capturado e identificado pelos ingleses. Desesperado com o que poderia lhe acontecer depois da guerra, suicidou-se na prisão de Luneburg, Alemanha, em 23 de maio de 1945, após tomar veneno.

Em janeiro de 1945, com a aproximação do Exército Vermelho, na Alemanha, muitos prisioneiros judeus de Auschwitz foram assassinados pelos guardas, com medo de testemunharem contra eles, mostrando para os Aliados como era a vida ali e como eram assassinados nas câmaras de gás e incinerados nos formos crematórios. Os 58 mil restantes foram forçados a longas marchas para o interior da Alemanha. A maioria morreu de fome, sede e cansaço pelo caminho... Ou, então, fuzilada sumariamente. E quando os Aliados chegaram e libertaram os campos de concentração e extermínio, encontraram prisioneiros adultos que pesavam apenas 28 quilos.

Quando a Alemanha se rendeu na Itália, em 02 de maio de 1945, e o Japão assinou a rendição na baía de Tóquio, no dia 02 de setembro do mesmo ano, o mundo tomou conhecimento dos horrores e das atrocidades da guerra: 20 milhões de crianças sem pais, sem falar naquelas que as estatísticas oficiais não contaram e que foram exterminadas sem piedade (nos dias 29 e 30 de setembro de 1941, na região de Babi Yar, nas proximidades de Kiev, Ucrânia, soldados alemães executaram, com tiros, 33.771 judeus – homens, mulheres e crianças; e na Lituânia e na Bielorrússia, de julho a dezembro do mesmo ano, 133.346).

Eu morava na cidade de São Paulo, quando o antigo sargento da SS, Gustav Franz Wagner, subcomandante (comandante adjunto ou supervisor) do campo de extermínio de Sobibor, na Polônia, foi descoberto e preso no Brasil, onde vivia tranqüilamente num pequeno sítio nos arredores de Atibaia, a 69km da cidade de São Paulo. Estima-se que em Sobibor morreram mais de 250 mil judeus nas câmaras de gás, na chamada Operação Reinhard (Aktion Reinhard).

A Operação Reinhard, à qual Franz Wagner foi incorporado, foi criada pelo SS Reinhard Heydrich (1904-1942), o cruel chefe da Polícia Secreta de Segurança, Gestapo, e da SD (Sicherheitsdienst), a Polícia de Segurança do Serviço de Inteligência da SS, em 20 de janeiro de 1942, durante a Conferência na Vila de Wannsee, um palacete no sudoeste de Berlim, de onde se avistava o lago do mesmo nome, para por em prática “a solução final ao problema judeu” ou “solução final da questão judia” (Endlösung der Judenfrage).

Foram selecionados 450 soldados para servir na Operação, sob o comando de Christian Wirth e algumas unidades de apoio, com soldados ucranianos, treinados pela SS. Hitler considerava os judeus “inimigos da raça ariana”. Após a morte de Reinhard, Himmler nomeou o chefe de polícia de Lublin, Polônia, Odilo Globocnik, como o novo encarregado da Operação. Num relatório encaminhado a Eichmann em 11 de janeiro de 1942, constava que naquele ano 1.700.000 pessoas morreram na Operação Reinhard, sendo que, desse total, 1.274.166 foram mortos nas câmaras de gás.

Reinhard Heydrich foi nomeado “Protetor do Reich” na Boêmia e na Moravia, mas foi assassinado pela resistência tcheca em 1942, o que motivou terrível represália de Hitler contra os tchecos, com a morte de muitos deles.

Adolf Otto Eichmann, cujo verdadeiro nome de batismo era Karl Adolf Eichmann, tenente-coronel da SS, nasceu em 19 de março de 1906 em Solinger, Alemanha, e morreu enforcado nas primeiras horas do dia 01 de junho de 1962, em Ramla, perto de Tel Aviv, Israel. Ele era o responsável pela logística do extermínio de milhões de judeus nos vários campos nazistas.

Afora as divergências sobre sua presença ou não em Vannsee, era o “Executor Chefe” do III Reich, como chefe do Departamento da Gestapo IV B 4. Mas, na verdade, foi mesmo Eichmann quem organizou a Conferência de Wannsee, pressionado pelo Dr. Joseph Buhler, chefe de Governo do Governo Geral de Hitler. Preso pelos americanos no fim da guerra, fugiu e passou por alguns países, até chegar à Argentina com um passaporte emitido pela Cruz Vermelha Internacional, em nome de Ricardo Klement, e aí viveu com a família, que depois mandou buscar na Alemanha, até ser raptado pelo Mossad, o Serviço Secreto Israelense, em 11 de maio de 1960, e levado para Israel. No processo, que começou em 11 de fevereiro de 1961, foi acusado de 15 crimes durante a guerra. Condenado, foi enforcado na prisão de Ramla.

Gustav Fraz Wagner traiu-se em 30 de maio de 1978 ao comparecer, como Günther Mendel, ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), de São Paulo, para desmentir uma denúncia, de que participara de uma festa no Sul do País, para comemorar o aniversário de Adolf Hitler. Um sobrevivente de Sobibor, “o Campo da Morte”, viu o rosto dele na televisão, ao se apresentar ao DOPS, e o reconheceu imediatamente. Dirigiu-se para lá e o desmascarou, identificando-o oficialmente, como sendo o procurado criminoso de guerra, Gustav Franz Wagner. Foi preso na hora. Da cadeia, foi transferido para uma clínica psiquiátrica, de onde saiu dois meses depois.

O antigo Dops me traz muitas lembranças. Em 1972 passei uma semana lá, a fim de completar um Curso Intensivo de Datiloscopia (atual Papiloscopia), promovido pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, quando estagiei um mês no Instituto de Polícia técnica – IPT, atual Instituto de Polícia Científica – IPC, também de São Paulo. Tive como professores o delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury (Niterói, 19 de maio de 1933 — Ilhabela, 1o. de maio de 1979), os diretores da Casa de Detenção de São Paulo, do IML e do IPT. Mas hoje, graças a Deus, o prédio, construído em 1914 no centro de São Paulo, e que abrigou até 1935 os armazéns da São Paulo Railway Company, e desse ano, até 1983, a sede do Dops, abriga o Museu e um Memorial da Liberdade, em homenagem às vítimas da ditadura militar.

A princípio “Günther Mendel” negou por vários dias a verdadeira identidade. Mas o sobrevivente contou, diante dele, frente a frente, olhando-o nos olhos, e com lágrimas descendo pelas faces envelhecidas, mais pela dor e pelo sofrimento das lembranças amargas da guerra, do que pela idade em si, que Franz Wagner tinha matado, a sangue frio, seus pais; que praticava tiro ao alvo nos prisioneiros judeus que desembarcavam do “Trem da Morte”, na plataforma da estação do campo de extermínio de Sobibor, na Polônia. “Ele atirava na cabeça”, disse, olhando de frente, para o “Carrasco de Sobibor”.

Gustav Franz Wagner, oficial SS (Schutzstaffel), nasceu a 18 de julho de 1911 em Viena, na Áustria. Após a guerra, foi condenado à prisão perpétua in absentia (à revelia - sem a presença do acusado) pelos americanos, no julgamento do Tribunal Internacional Militar instalado em Nuremberg (1945-1946), para julgar os criminosos de guerra. De acordo com os relatórios do Tribunal, quatro milhões de prisioneiros morreram em Auschwitz e 1.5 milhão em Majdanek.

Dizem que, como foragido de guerra, Gustav Franz Wagner nunca mudou de nome. Mas consta que ele, ao escapar da Europa com o sádico Franz Stangl, que supervisionava o campo de Treblinka e trabalhou com ele em Sobibor, entrou no Brasil com passaporte suíço, e foi admitido como residente permanente em 12 de abril de 1950, com o pseudônimo de Günther Mendel, até sua prisão em 30 de Maio de 1978. Foi entregue à Polícia Federal. Depois de sua prisão, Israel e Áustria, seu país natal, pediram sua Extradição, que o Brasil negou. Em 22 de junho de 1979, o Supremo Tribunal Federal do Brasil negou também sua Extradição para a Alemanha Ocidental.

Franz Stangl, o segundo comandante de Treblinka, e que na fuga da Europa tomou caminhos diferentes dos de Gustav Franz Wagner, nasceu no dia 26 de maio de 1908, em Altmünster, Áustria, e morreu em 28 de junho de 1971, na prisão de Düsseldorf, Alemanha, onde tinha sido condenado à prisão perpétua. Tempos depois de chegar ao Brasil, trabalhou como gerente na fábrica da Wolksvagen, no Estado de São Paulo. Em 1967 foi localizado e preso e levado para a Alemanha. Consta que matou 400 mil judeus.

Em uma entrevista para a BBC de Londres, em 1979, Wagner não mostrou remorsos pelas atrocidades cometidas em Sobibor durante a guerra. Ele disse: "Eu não tinha sentimentos... Era só um outro trabalho. À noite, nunca discutia o nosso trabalho, mas apenas bebia e jogava cartas".

Um ex-guarda de Franz Wagner, disse que ele tentou o suicídio quatro vezes na prisão. Numa delas, tentou comer as lentes de vidro dos óculos que quebrou. Emagreceu bastante e gritava muito. Disseram que ele enlouqueceu, possivelmente torturado pelas lembranças da guerra e pelo medo de ser entregue aos governos de Israel, Alemanha e Áustria, onde seria julgado e condenado pelos crimes que cometera.

No sítio onde morava, Wagner levava uma vida tranqüila criando animais e cultivando hortaliças. O homem alto e de olhos azuis, cujo hobby era pintar paisagens, suicidou-se em seu sítio, segundo seu advogado, cravando uma faca grande de cozinha no peito, no dia 03 de outubro de 1980, menos de dois anos depois de sua prisão.

Por seus “trabalhos” ao III Reich, Gustav Franz Wagner recebeu do Governo nazista a Cruz de Ferro, por sua “eficiência em matar prisioneiros”. Deve ter sido a de Primeira Classe, criada em 1914 e, depois, em 1939, juntamente com a de Segunda Classe.

Depois vieram: Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro (1941); Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro com Folhas de Carvalho (1942); Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro com Folhas de Carvalho e Espadas (1943); e Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro com Folhas de Carvalho, Espadas e Diamantes (1944). Quase todo oficial nazista ostentava, com orgulho, uma ou mais dessa condecoração em seu uniforme, no peito ou no pescoço, à altura do nó da gravata. Inclusive Hitler, que a usava no peito.

Com a prisão de Gustav Franz Wagner, o sobrevivente judeu Simon Wiesenthal (1908-2005), o austríaco que dedicou 60 anos de sua vida à caça de criminosos de guerra nazistas, colheu mais um fruto em sua incansável cruzada mundo afora, à procura deles.

Em todas as partes do mundo milhares de autores, militares e civis, escreveram relatos dolorosos da “Guerra Desnecessária”, como Winston Churchill a chamou. Churchill, que à época era Primeiro-Ministro da Inglaterra, legou ao mundo o seu testemunho do conflito, sob o título “Memórias da Segunda Guerra Mundial”. Escrito originalmente em seis volumes e posteriormente condensado em um, Churchill recebeu, por sua obra, o Prêmio Nobel de Literatura de 1953.

O Marechal-de-Campo inglês Bernard Law Montgomery (1887-1976), que comandou as forças inglesas, americanas e canadenses que desembarcaram nas praias da Normandia (costa norte da França) no chamado Dia D (Decision Day), em 06 de Junho de 1944, para libertar a França do jugo nazista, também escreveu diversos volumes de memórias da guerra. Com a ofensiva dos Aliados, em bloco, no mês de junho, em agosto Paris foi libertada. O “Dia D” foi a maior operação militar de todos os tempos, com a participação de 175 mil soldados anglo-saxões: americanos, ingleses e canadenses.

O General norte-americano George Smith Patton (1885-1945), também escreveu sobre a guerra. Suas memórias “Was as I Knew” (A Guerra que eu Conheci), foram publicadas em 1947, dois anos após sua morte, ocorrida a 21 de dezembro de 1945, num hospital de Heidelberg, vitimado por um acidente de carro em Mannheim, Alemanha. Tinha 60 anos de idade.

O General Dwight David Einsenhower (1890-1969), Comandante Supremo das Forças Aliadas que desembarcaram na Normandia, ficou rico com o seu relato da guerra “Crusade in Europe” (Cruzada na Europa), publicado em 1948. Mas um dos mais pungentes relatos da Segunda Guerra Mundial seja, possivelmente, o do escritor norte-americano Cornelius Ryan, no livro “Uma Ponte Longe Demais”, transformado em filme em 1977.

Depois da vitoriosa invasão da Normandia, os Aliados desejavam acabar a guerra o mais rápido possível. Havia, no entanto, dois problemas a superar, sendo um de logística e, outro, de convivência humana, envolvendo duas altas patentes dos exércitos Aliados. Primeiro, o suprimento das tropas era trazido da Normandia, a 644km de distância, refreando o avanço dos Aliados. Segundo, o Marechal inglês, Bernard Law Montgomery, que estava no norte, e o polêmico General norte-americano, George S. Patton, que estava no sul, se detestavam intensamente. E, para piorar, cada um queria chegar primeiro a Berlim e receber os louros da vitória.

Em setembro de 1944, o Marechal Montgomery, lança o plano da Operação Market Garden (Operação Mercado Jardim – Mercado, o elemento aéreo e, Jardim, as forças terrestres), para encerrar o conflito até dezembro e, se possível, até o Natal, invadindo a Alemanha pela Holanda e destruindo as indústrias de guerra do III Reich, no Ruhr, o coração industrial da Alemanha. Os Aliados cortariam, também, a mobilidade do III Reich, com a tomada das pontes de Eindhoven, Nijmegen e Arnhem.

Para decepção de Patton, Eisenhower aprovou o plano de Montgomery, seu desafeto. Mas, “uma combinação de política nos campos de batalha, falhas na inteligência, má sorte e difíceis condições meteorológicas levaram as tropas ao desastre”. Ao final, constatou-se que a ambiciosa Operação Mercado Jardim causou mais baixas aos Aliados, do que toda a invasão da Normandia. Mas ajudou a apressar o fim da guerra.

A Operação Mercado Jardim foi a maior operação via aérea dos Aliados depois do Dia D, quando desembarcaram na Normandia, em socorro da França. Os alemães, principalmente o Marechal-de-Campo Model (Otto Moritz Walter Model – 1891-1945) achavam que Patton comandaria o ataque (comandou o VII Exército Americano na Normandia) aos alemães, na Holanda. Mas, dando muita importância a si mesmo, Model achou que o alvo era ele. Puro engano.

Os 35 mil soldados que partiram com aviões e planadores de 24 aeroportos de vários lugares, voaram 483km e saltaram 103 atrás das linhas inimigas, cujo alvo era tomar e guardar as pontes de Eindhoven, Nijmegen e Arnhem, sobre o rio Reno, na Holanda, impedindo o avanço dos alemães. Alguns imprevistos, como o clima e o local de pouso dos paraquedistas, prejudicaram a Operação. Mas o Marechal Montgomery achou que o plano teve noventa por cento de êxito.

O cinema contou a guerra e seus horrores, através de filmes como O Julgamento em Nuremberg, Uma Ponte Longe Demais, A Lista de Schindler, Platoon, Os Canhões de Navarone, A Ponte do Rio Kwai, Adeus às Armas, Pearl Harbor, Os Doze Condenados, Tora, Tora, Tora, Lili Marlene, a série Holocausto e centenas de outros, milhares talvez.

O teatro também contou a guerra, com várias produções retratando o drama de pessoas e famílias durante o conflito. The Sound of Music (A Noviça Rebelde), é sobre a história de Maria e do Barão Von Trapp, que fugiram da Áustria ocupada com os filhos, para não servirem ao regime nazista. O musical foi transformado em filme em 1965.

A Segunda Guerra Mundial, também chamada Segunda Grande Guerra, terminou no dia 04 de julho de 1945, e nações de todos os continentes se envolveram no conflito. Mas, a 02 de maio de 1945 a Alemanha, que iniciou o conflito, invadindo a Polônia, se rende na Itália e, no dia 07, capitula. A 10 de agosto de 1945, o Japão se rende; no dia 14 do mesmo mês, capitula, e, no mês seguinte, no dia 02 de setembro de 1945, assina a rendição para os exércitos americanos, sob o comando do general Douglas MacArthur (1880-1964), autor de “Reminicences”, suas memórias de guerra, comandante das forças americanas no Pacífico, a bordo do encouraçado americano Missouri, fundeado na baía de Tóquio. E o III Reich: Wehrmatch (Exército), Luftwaffe (Força Aérea), Kriegsmarine (Marinha) e as Waffen-SS, que para Hitler duraria mil anos, durou apenas 12.

Estima-se que a guerra ceifou cerca de 42 milhões de pessoas. E que o número real oscile entre 35 milhões a 60 milhões de mortos. Só a antiga União Soviética perdeu 17 milhões, entre soldados e civis. Todavia, acredita-se que o saldo final da guerra foi muito mais cruel e devastador do que o registrado pelas estatísticas da história: 55 milhões de mortos (incluindo o “Soldado Desconhecido”, que até hoje não se sabe de que nação era), 35 milhões de feridos, 20 milhões de órfãos, seis milhões de judeus dizimados e 190 milhões de refugiados. De 1947 até 1952, foram mais de um milhão de refugiados, vagando esperançosos por mais de 80 países, à procura de um novo lar.

O Brasil perdeu 39 navios e teve um total de 1426 brasileiros mortos, incluindo os que lutaram nos campos da Itália, onde ficaram 451 combatentes, num cemitério de Pistóia. O primeiro brasileiro a morrer na guerra foi o conferente de navio, José Francisco Fraga, em 22 de março de 1941, metralhado no passadiço do navio TAUBATÉ, por um avião alemão, quando o Brasil nem cogitava entrar na guerra. Entre 1941 e 1942 os submarinos alemães torpedearam 34 navios mercantes brasileiros, até nos Estados Unidos da América.

O submarino alemão U-507, sob o comando do capitão-de-fragata Harro Schacht, de 34 anos, foi o mais enfático em sua ânsia de atacar navios brasileiros e matar sua tripulação: na noite de 15 de agosto de 1942 o U-507 afundou na costa nordestina o Baependi, matando 276 pessoas (36 se salvaram); o Araraquara, matando 131 pessoas (11 escaparam); e o Aníbal Benévolo, matando 144 pessoas (ninguém se salvou). Em apenas uma única noite, 551 brasileiros, homens, mulheres e crianças, morreram no mar.

Citando apenas algumas nações que participaram do cenário de horror, morreram 9,5 milhões de civis na União Soviética, três milhões na Alemanha, três milhões na Polônia, 330 mil na França, 150 mil na Itália, além de seis milhões de judeus.

E, finalmente, o mundo acordou do pesadelo da guerra naquele inesquecível dia 04 de julho de 1945, abrindo os olhos para uma nova era. A geografia política da Europa tinha mudado. Algumas nações deixaram de existir e outras surgiram sobre os escombros e o sangue derramado de milhões de combatentes... E inocentes que morreram. As nações envolvidas no conflito começaram a enterrar e a reverenciar seus heróis e remover os escombros das cidades destruídas, para reconstruí-las sobre as lágrimas dos que choravam seus mortos. Milhões de famílias inteiras morreram e milhões perderam tudo.

E os que não morreram, continuaram a chorar (como nas câmaras de gás) seus mortos, e a vagar pelos campos sombrios das recordações, com profunda dor e tristeza. Uma dor tão cruel, tão terrível, tão devastadora, tão difícil de explicar, suportar e esquecer, que foi além das lágrimas diante das rajadas de metralhadoras, dos pelotões de fuzilamento, ou do último suspiro numa câmara de gás.

Fernando de Almeida Silva
Escritor, Poeta e Professor Universitário

Nenhum comentário: